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| Monumento às Bandeiras com 32 figuras, e não 37 como relatado em muitos outras referencias (inclusive a Wikipedia e o Site da Prefeitura de São Paulo |
Certa vez perguntei a um amigo de infância quantas eram as figuras que empurravam e puxavam a canoa de monções no Monumentos às Bandeiras de Victor Brecheret, monumento bastante conhecido dos paulistanos em frente ao Parque do Ibirapuera.
Ele então pesquisou na enciclopédia de sua mãe (na época não existia o Google) e a resposta foi 37 figuras.
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| Primeiros personágens do pelotão de frente, repare que existe uma europeu carregando caças nos ombros. |
Achei muito estranho pois tenho uma boa noção de conjuntos e o numero me pareceu um pouco alto. Para tirar a duvida fomos até o local e contamos um a um.
Para minha surpresa a enciclopédia estava errada (assim como diversos artigos que vejo na internet, inclusive no artigo da Wikipédia) e eu estava certo. Eram 30 entre homens mulheres e crianças e mais dois cavalos, totalizando 32 figuras.
Nos perguntamos: -“como a enciclopédia podia estar errada num assunto tão importante para o paulistano?”.
A resposta pode estar no Memorial Descritivo do projeto para o Monumento às Bandeiras publicado no Jornal Correio Paulistano no dia 28 de julho de 1920.
“O grupo monumental que é a coluna dorsal do monumento, foi movido de maneira a sugerir uma ‘entrada’.
A grande massa processional , guiada pelos ‘Gênios’ – os Paes Lemes, os Antonio Pires, os Borba Gatos – avança para o sertão desconhecido. Os Guiadores, a cavalo – símbolo da força e do comando -, são seres titânicos, dignas expressões viris dos sertanistas de São Paulo.
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| Monumento às Bandeiras - Nesta seqüência um homem da de beber ao índio e uma mulher carrega um bebe no colo |
No centro, uma Vitória espalma as asas que cobrem piedosamente os ‘Sacrificados’, isto é, aqueles sertanistas que tombaram nas ciladas da selva. (..)
Saindo da terra pisada pelos bandeirantes, serpeiam em grupos laterais as ‘Insidias’. São de um lado, as ‘Insidias da Ilusão’, mulheres enigmáticas e serpentes, belas como tudo que promete a mente, a simbolizar as Esmeraldas de Paes leme, as Minas de Prata de Roberto Dias, o mundo lendário das Amazonas de Orellana. (...) Do outro lado, as ‘Insidias do Sertão’ exprimem as Lesirias e as Febres, as Emboscadas e as Feras, a Fome e a Morte.
Na parte posterior, a Ânfora que conterá a água do Rio Tietê, sagrado pela gloria das ‘monçoes’. Sugeriu-nos essa idéia a conferencia do Sr. Affonso de Taunay”.
Reparem que neste memorial escrito pelo próprio escultor ele menciona ‘Vitorias Aladas’, e também acho que alguém deveria carregar a ânfora, estas não estão presentes no nosso atual monumento.
Considerada a maior escultura equestre do mundo com seus 50 m de comprimento, 16 m de largura e 10 m de altura, teve seu projeto inicial em 1920, encomendada para a celebração do bicentenário da independência, em 1922.
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| A grande massa processional , guiada pelos ‘Gênios’ – os Paes Lemes, os Antonio Pires, os Borba Gatos – avança para o sertão desconhecido. |
O então Presidente do Estado, cargo que equivale hoje ao de governador, manifestou o desejo de realizar um monumento aos bandeirantes. A comissão encarregada de executar o monumento, a ser custeado pela administração pública, foi composta por Monteiro Lobato, Menotti Del Picchia e Oswald de Andrade, que escolheram o projeto de Brecheret.
Ainda em julho de 1920, o projeto foi apresentado publicamente na Casa Byington, e agradou muito a Washington Luís.
A colônia portuguesa, nesse meio tempo, queria oferecer um monumento à cidade, também com o tema de bandeirantes, eles apresentaram uma proposta do escultor português Teixeira Lopes.
Menotti Del Picchia detestou a idéia de ter essa obra feita por estrangeiros “...o monumento brasileiro deve ser integralmente brasileiro”, repudiava a idéia de “a alma e a técnica estranhas se fixarem no bronze que imortalizaria as glórias de nossa raça”. Em função do conflito o Presidente do Estado decidiu adiar o projeto e a maquete de Brecheret foi parar na Pinacoteca do Estado.
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| Maquete original do Monumento às Bandeiras de Brecheret com 37 figuras (1920), inclusive as 'Vitorias aladas' - Muita alteração foi feita até sua inauguração em 1953 com apenas 32 figuras. |
A retomada da escultura só ocorreu próximo às comemorações do IV Centenário da Cidade. Primeiramente, Brecheret fez a obra na escala de 1x1 m, aumentando-a depois para o tamanho atual. Foi feita uma primeira escultura em gesso em tamanho natural, a partir da qual todas as figuras foram novamente esculpidas, desta vez em pedra Mauá – as pedras eram trazidas da cidade paulista de mesmo nome – por artesãos denominados “canteiros”, que copiavam fielmente o modelo em gesso feito por Brecheret.
Brecheret e Almeida Júnior
Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, e a pintura "Partida da Monção", de Almeida Júnior, retratam o mesmo mito paulista: a marcha dos bandeirantes rumo ao interior do Brasil. Mas fazem isso por caminhos muito diferentes.
A obra de Almeida Júnior (1897) mostra uma cena quase serena: a preparação para uma viagem fluvial. Há calma, luz quente e certa nostalgia. Tudo é detalhado, humano e quase idealizado. Os bandeirantes aparecem como desbravadores em tom épico, mas íntimo.
Já o Monumento às Bandeiras (iniciado em 1920), com seus corpos em bloco de granito e expressões duras, é brutal e grandioso. É o mito da conquista contado como esforço coletivo, mas também como imposição de força. A presença de negros e indígenas como figuras secundárias revela, com ou sem intenção, a violência embutida nessa história.
É possível que Brecheret tenha visto ou conhecido a obra de Almeida Júnior — ambos falam da mesma origem mítica de São Paulo.
Toucas, gualteiras e chapéus
Na escultura de Brecheret, os bandeirantes não usam os típicos chapéus de abas largas, mas toucas justas que lembram gorros medievais europeus, ou bem podiam ser algum tipo de gualteiras, uma espécie de touca alta feita de couro de anta - Essa escolha não parece um erro, mas uma decisão estética e simbólica.
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| Bandeirante paulista com gualteira de couro de anta, gibão de armas também de couro de anta, espada, arcabuz e forquilha |
Além disso, esculpir a aba de um chapéu na pedra 'mauá' apresenta desafios técnicos — a forma fina e projetada poderia se quebrar com facilidade. A touca, por outro lado, se ajusta melhor ao bloco maciço e à estética monumental da obra.
Brecheret, formado na tradição europeia, aproxima os bandeirantes de figuras heroicas e atemporais. São menos homens reais do passado e mais figuras-mito da formação de São Paulo, talhados como se fossem personagens de uma epopeia esculpida em pedra. Enquanto Almeida Júnior pinta o detalhe e o cotidiano, Brecheret modela o símbolo.
Origem das pedras
O granito Mauá, usado na construção do Monumento às Bandeiras, provém de afloramentos localizados na região de Mauá, no estado de São Paulo. Trata-se de uma rocha granítica clara, de grão médio a fino, com excelente resistência mecânica e boa trabalhabilidade — ideal para esculturas monumentais.
Os blocos foram extraídos diretamente de pedreiras dessa região, ainda nos anos 1920, com técnicas manuais e rudimentares. Por ser abundante e próximo da capital, o granito Mauá foi uma escolha estratégica tanto pela durabilidade quanto pela logística de transporte.
Artesãos da Oficina Incerpi
A execução da monumental obra em pedra ficou a cargo da Oficina Incerpi, dirigida por imigrantes italianos especializados em cantaria e escultura em granito. Esses artesãos trabalharam durante décadas sob orientação de Victor Brecheret, que fornecia maquetes e moldes em gesso, posteriormente ampliados e talhados diretamente nos blocos de granito.
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| Artesão da Oficina de Cantaria A. Incerpi e Cia. |
A Oficina Incerpi foi essencial para dar vida à estética modernista de Brecheret, unindo mão de obra especializada, tradição italiana em escultura em pedra e precisão artesanal. Sem eles, o impacto visual e técnico do monumento simplesmente não seria possível.
A Construção do Monumento
O monumento foi feito em três partes: os batedores a cavalo à frente do grupo, o grupo humano ao centro e a barca ao final.
O projeto inicial teve diversas alterações e em1949, Brecheret resolveu alterar a base do monumento. Em vez de escadarias, optou por uma base mais simples, com as laterais em plano inclinado, quase vertical. Em 1951, a Oficina Incerpi começou a montar os blocos de granito, já esculpidos, no Ibirapuera, como num grande quebra-cabeças, sendo que o efeito final deveria dar a impressão de um único bloco de rocha, como previa Brecheret. O concreto foi usado no enchimento da canoa, para dar mais rigidez ao conjunto.
O único personagem histórico identificado é o próprio Victor Brecheret. A quarta figura à direita do monumento, no bloco imediatamente seguinte ao dos cavaleiros, traz a seguinte inscrição no seu ombro direito: “Auto-retrato do escultor Victor Brecheret 02-10-1937”.
Previsto para ser inaugurado em 25 de janeiro de 1954, foi entregue um ano antes. Brecheret estava doente e pediu ao governador Lucas Nogueira Garcez, apressasse a entrega para o dia 25 de janeiro de 1953.
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| Temendo que as outras 7 figuras estivessem escondidas, procuramos muito e só achamos um escondido (numero 22) rapaz que carrega o desmaiado. |
Símbolo da cidade de São Paulo, a obra-prima de Brecheret é praticamente uma síntese de sua trajetória artística. Demorou 33 anos para ser construída e revelou influência de seus estudos anatômicos, que valorizam o corpo humano, no estilo art decó combinado com o luxo do estilo marajoara-indígena.
As “bandeiras”, tiveram grande importância para a colonização do Estado de São Paulo e do interior do Brasil nos séculos XVI, XVII e XVIII.
Cada uma das figuras tem cerca de 5 m de altura e retrata mistura étnica brasileira, com a presença de bandeirantes brancos, índios e negros escravos, e mamelucos.
Os cavaleiros da escultura estão direcionados para o Pico do Jaraguá, rumo ao interior do Estado dos bandeirantes, sempre à procura de pedras preciosas, mais precisamente esmeraldas. Abaixo deles, na base de pedra da obra há um mapa, em que são mostrados os caminhos dos bandeirantes por todo o Brasil. Ele foi elaborado pelo historiador Afonso d’Escragnolle Taunay (1876-1958), autor de História geral das bandeiras paulistas (1924/50), grandioso levantamento de fatos que auxiliam na compreensão da história do Estado de São Paulo.
Nas laterais do monumento, há inscrições enaltecendo a obra. O poeta, ensaísta e crítico literário Guilherme de Almeida (1890-1969), chamado de “príncipe dos poetas brasileiros”, declarou: “Brandiram achas e empurraram quilhas, vergando a vertical de Tordesilhas”.
Achas são armas antigas semelhantes a um machado - uma delas é vista na mão de uma das figuras. Empurraram quilhas de embarcações para alcançar pontos cada vez mais longínquos, ultrapassando a barreira imposta pelo Tratado de Tordesilhas firmado entre Portugal e Espanha em 1494, que delimitava a posse das terras na América após a primeira viagem de Colombo.
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| Foi adicionado concreto para unir as estatuas feitas de pedra 'Maua' |
Os bandeirantes, se embrenharam pela mata e chegaram a locais antes não pisados pelo homem branco, fundando cidades e ampliando as fronteiras brasileiras.
Posteriores negociações entre os rei luso D. João III e os monarcas espanhóis Fernando e Isabel deslocaram a linha inicial e asseguraram a expansão do Brasil para alem da demarcação.
A outra inscrição na lateral do monumento (“Glória aos heróis que trocaram o nosso destino na geografia do mundo livre./ Sem eles, o Brasil não seria grande como é”) é do historiador, ensaísta e poeta brasileiro Cassiano Ricardo (1895-1974). Modernista, filiado ao Movimento Verde-Amarelo, que, por volta de 1926, defendia um nacionalismo fechado às influências das vanguardas européias.
A frase exalta o papel dos bandeirantes na história do Estado e demonstra bem o espírito conservador do grupo, que contava com a participação de Menotti del Picchia, Cândido Mota Filho e Plínio Salgado, defendendo um ideário político de extrema direita, dando origem ao Grupo Anta e, posteriormente, no integralismo, vertente do nazifascismo no Brasil.
Quem são as 32 figuras do Monumento às Bandeiras?
Brecheret não nomeou individualmente cada um dos personagens esculpidos, com exceção de sua própria figura (número 29), porém podemos extrapolar quem se trata com base no Memorial Descritivo do Monumento às Bandeiras, publicado no jornal Correio Paulistano em 28 de julho de 1920, que já antecipava a força simbólica da obra, bem como no contexto histórico - aqui vai meu palpite:
“O grupo monumental que é a coluna dorsal do monumento, foi movido de maneira a sugerir uma ‘entrada’. A grande massa processional, guiada pelos ‘Gênios’ – os Paes Lemes, os Antônio Pires, os Borba Gatos – avança para o sertão desconhecido.”
Partindo dessa ideia, propomos aqui uma recriação dos nomes e papéis das 32 figuras do Monumento, inspirada na história paulista e ressignificada com elementos atemporais. Como Victor Brecheret nunca nomeou oficialmente os personagens nem os situou em uma época específica – ele próprio disse que a obra tem uma autorreferência de 100 anos – assumimos a liberdade criativa de rebatizar esses personagens como figuras mitológicas-modernas, que também podem ser retratadas em forma de toys em vinil, cada um com uma história própria.
Os Guiadores (Montados a cavalo)
São os líderes da marcha, figuras colossais que encarnam o espírito de comando e avanço. Como deuses da travessia, suas montarias os elevam ao status de titãs da colonização e do confronto com o desconhecido.
01 – Antônio Pires de Campos
(São Paulo, c.1690 – c.1751)
Figura central das entradas para o Mato Grosso, Antônio Pires de Campos casou-se com Sebastiana Leite da Silva, filha de Bartolomeu Bueno, e liderou diversas expedições no início do século XVIII. Junto ao pai, Manoel de Campos, e ao filho, Antônio, percorreu a região conhecida como Martírio, documentando com precisão as culturas indígenas – sobretudo os Cayapós e Bororos –, seus costumes, idiomas e rotas fluviais entre os rios Grande e Cuiabá.
Sua missão envolvia tanto o mapeamento territorial quanto a catequização forçada, representando a dualidade brutal do projeto colonial.
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A sequência de imagens numeradas de 08 a 11 compõe uma narrativa visual rica e profundamente simbólica, que remonta a uma cena familiar de mais de 500 anos atrás, no coração do território tupiniquim, onde hoje é o Brasil.
08 – Bartira M’Bicy (também conhecida como Isabel Dias) ( 1493 - 1559)
Ao lado, Bartira M’Bicy, sua esposa, está retratada com dignidade e doçura. Os traços indígenas, os cabelos longos, os colares feitos de sementes e os olhos profundos revelam força e ancestralidade. Ela segura delicadamente a pequena Antônia Quaresma, que representa a fusão de dois mundos — o europeu e o tupi.
09 - Antonia Quaresma (falecida a 1613)
A criança, de traços mestiços, parece curiosa, observando os adultos em volta com a atenção típica de quem já pressente o papel que terá na continuidade da linhagem. Dona Antonia Quaresma Ramalho, filha de João Ramalho e Bartira M’Bicy que casou-se com Balthazar Dias Nunes Camacho, procedente de Viana do Castelo a 1490, tiveram varias filhas, entre elas, Paula Camacho (chamada de 'A Mameluca'). Antônia, foi minha avó de 15 gerações atrás, carrega em si o símbolo da mestiçagem fundadora.
10 – Pirijá, irmão de Bartira, com a vasilha de cauim
Pirijá completa a cena. De pé, com uma postura orgulhosa, segura uma grande vasilha de cauim com as duas mãos. Seu olhar transmite a gravidade cerimonial do momento. Ele não serve apenas a bebida — oferece a confiança do seu povo ao forasteiro que, agora, é parte da família. É uma entrega simbólica: de cultura, de hospitalidade, de continuidade.

11 – João Ramalho tomando cauim (Vouzela, Reino de Portugal, 1493 — São Paulo dos Campos de Piratininga, Capitania de São Vicente, 1582)
João Ramalho aparece de pé, carregando uma onça morta, segurando um pote com cauim entre as mãos. Seu semblante é sereno e atento, talvez em reverência ao gesto ancestral que lhe foi confiado. Ele, o português que escolheu ficar, não apenas observa — participa do ritual com humildade, consciente de que aquele líquido fermentado de mandioca carrega mais do que sabor: carrega história, aliança e pertencimento.
Conjuntamente, essas imagens formam um retrato potente de um momento de convivência pacífica, de fusão cultural e de memória viva. Uma cena de afetos entrelaçados, onde o cauim é o elo que liga passado e presente, sangue e terra, estrangeiro e nativo — e onde tua própria origem encontra forma e sentido.
14 – Fernão Dias Paes Leme
(São Paulo, c.1608 – Sertão do Espírito Santo, 1681)
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| Figura Número 14 no Monumento às Bandeiras - Fernão Dias Pais Leme, imagem extrapolada da escultura original, olhando para frente |
Outra figura montada, também usando um chapéu de couro de anta no estilo gualteira. O curioso desta escultura é que ele olha para trás – gesto que admite múltiplas leituras:
Certificar-se de que a tropa avança unida;
Um eco de dúvida histórica, pesando-lhe a consciência pelas violências cometidas nas entradas e capturas de indígenas.
Conhecido como o “Caçador de Esmeraldas”, Paes Leme liderou expedições de grande impacto. Em 1640, participou da ofensiva contra os holandeses no litoral, defendendo São Vicente. Atuou ainda na Câmara de São Paulo, foi responsável pela administração das obras do Mosteiro de São Bento, e exerceu funções como juiz ordinário em 1651.
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| Antônio Pires de Campos (fig.1), e seu cavalo 'Martírio' (fig.1a), ao lado de Fernão Dias Paes Leme (fig14), montado no 'Sumidouro' (fig.14a). |
Podemos também nomear os cavalos
Fernão Dias Paes Leme cavalga o cavalo de nome 'Sumidouro', um alazão de pelos escuros e olhos silenciosos, batizado assim pelo destino trágico de seu mestre. O nome vem do lugar onde Fernão faleceu, tragado pela terra sem jamais encontrar as esmeraldas que buscou por anos — como se o próprio chão o tivesse engolido junto com seus sonhos verdes. Qaunto a Antônio Pires de Campos, ele cavalgava o cavalo chamado 'Martírio', um cavalo forte de pelagem clara, que o acompanhou nas trilhas mais áridas rumo ao coração do Brasil. O nome era uma lembrança viva das dores e da fé que marcavam suas jornadas – como naquela entrada lendária em que partiu com o pai e o filho, guiado por um ideal redentor que confundia sertão com sagrado.
2 – Anahnguera - Bartolomeu Bueno da Silva
(Santana de Parnaíba, 1672 — Vila Boa de Goiás, 19 de setembro de 1740)
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| Anhanguera, o "gênio atroz velho" ao lado de sua maquina de controle mental "erekorekó", que interfere na razão de suas vítimas. |
Na arte Tupi Pop, ele aparece como um vilão cyberpunk, com trajes imponentes e assustadores. Nessa narrativa, ele comanda uma máquina psíquica que interfere na razão das pessoas — metáfora do álcool destilado (com mais de 100 proof, 50% de teor alcoólico), mais forte e alucinatório que o cauim ancestral (com cerca de 12%ABV). Assim, Anhanguera torna-se o antagonista perfeito: um símbolo do apagamento das consciências e controle da mente.
12 – Benguela (Kalunga N’Zambi) - (nascido próximo ao porto de Lobito, Angola)
A lenda de Kalunga N’Zambi — filho de uma rainha e de um sacerdote, capturado nas matas da Chela. extremamente inteligente, ao chegar ao Brasil, recusou-se a decorar o mundo do branco. Aprendeu o português, mas sonhava em umbundu.
Kalunga não ergueu armas, sua resistência era inteligente e bela. Costurava coloridos e belos símbolos sagrados nas roupas da sinhá, escondia orações em cantos de trabalho, ensinou a capoeira como luta disfarçada como dança, espalhava os mitos dos seus ancestrais como quem semeia flores num campo devastado. Era muito forte, seguia o mandamento cristão "se alguém o forçar a caminhar com ele uma milha, vá com ele duas" - mostrando que existem formas de resistências mais sábias e coloridas do que a revolta em sí.
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| Benguela (fig.12) Forte, belo e muito inteligente |
Fundou um culto secreto nas senzalas, onde o tambor falava com N’Zambi e a cultura africana renascia em festas disfarçadas. Com cada dança, cada bordado, cada história contada à luz da lamparina, Kalunga transformou cativeiro e o mundo em reencantamento.
20 – Jaguanharó (Jaguanharão) - (nascido em local e data desconhecidos – São Paulo de Piratininga, 9 de julho de 1952)
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| Na imagem, a Jagoaranhó segura seu takape para defender as tradições tupis, como a cauinagem que tanto preza. |
O Último Guerreiro da Tradição Tupi - Na história oficial, Jaguanharó foi um jovem guerreiro tupiniquim, filho do cacique Piquerobi e sobrinho do lendário Tibiriçá. Em 1562, liderou ao lado do pai o Cerco de Piratininga, um ataque armado contra os portugueses e seus aliados indígenas na recém-criada vila de São Paulo. O objetivo era claro: impedir a expansão da colonização e da catequese forçada dos jesuítas, que já haviam rompido os laços sagrados entre os tupis e sua espiritualidade ancestral.
Jaguanharó morreu nesse confronto pelas mãos de seu tio, tibiriçá (agora batisado como Martim Afonso). Mas a história real não conta tudo.
Na tradição Tupi Pop, passada de geração em geração nas sombras das matas e à beira dos rios, fala-se de um outro destino: Jaguanharó sobreviveu. Gravemente ferido, foi resgatado por mulheres da floresta e levado para além do Jaraguá, onde os brancos ainda não ousavam pisar. Lá, jurou manter viva a alma do povo Tupi.
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| Insignia da Seita Tupi Rerekoara |
Foi nesse exílio espiritual que nasceu a Tupi Rerekoara, uma seita clandestina dedicada à preservação dos ritos ancestrais.
A seita reunia os últimos conhecedores das danças, da produção do cauim, das palavras rituais, dos cantos para o sol e para os peixes, e claro — da fermentação sagrada do cauim. Jaguanharão instituiu que o cauim não deveria mais ser apenas bebida de festa, mas símbolo de resistência, comunhão e memória viva.
Um rebelde contra o apagamento cultural
Jaguanharó entendia que os jesuítas não apenas queriam ensinar uma nova fé — eles queriam apagar a antiga. Recusou o céu europeu, recusou viver ajoelhado. Na lenda, ele dizia: “Prefiro morrer bebendo cauim, ouvindo o maracá e o tambor de minha terra, do que viver em silêncio português. Que minhas ultimas palavras sejam proferidas em Tupi”.
O legado
Hoje, alguns acreditam que os ensinamentos de Jaguanharão sobrevivem escondidos nas esquinas da cidade grande, nos rituais sincréticos, nos nomes de rios e montanhas, e nos olhos de quem ainda bebe cauim como quem ouve os deuses antigos. Jaguanharão não foi apenas um guerreiro — foi o primeiro fundador da resistência cultural indígena urbana. Um nome que não se encontra nos livros escolares, mas que pulsa na terra e na memória dos que ousam lembrar.
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