| ||
Apos passar por vários momentos de terror, Staden sobreviveu ao contato com os canibais, voltou a Europa, quando escreveu sobre essas verdadeiras desventuras quase inacreditáveis no ano de 1556, fazendo do Brasil e seu provo um dos lugares mais incríveis e assustadores do mundo de sua época.
A veracidade dos relatos de Staden são autenticados no ano seguinte no livro do francês André Thevet, de religião católica e posteriormente pelo calvinista Jean de Léry. Thevet teve sua experiência obtida ao fazer parte do grupo denominado França Antártica no Brasil, que após passar dez semanas vivendo na Baía da Guanabara, regressou à França por estar doente. No ano seguinte, publicou a obra intitulada ‘As singularidades da França Antártica (1557)’: uma fonte relevante por ser uma das primeiras obras a fazer menção ao Brasil em pleno descobrimento, no entanto, escrito com ênfase no fantástico ao transparecer a presença do imaginário medieval.
Já Jean de Léry que veio para o Brasil em 1558, juntamente com um grupo de quatorze pastores calvinistas, e cinco donzelas para habitar a França Antártica fez um realto bem mais acurado. No decorrer de sua estadia os conflitos ideológicos entre católicos e protestantes, fez que ele tivesse uma visão muito mais critica ao trabalho de Thevet, que após dezenove anos do seu retorno, publicou seu diário denominado ‘Viagem à terra do Brasil (1577)’, uma obra muito mais elaborada que tinha o declarado intuito de desmentir equívocos e mentiras contidas no livro de Thevet.
Essas três importantes obras ilustradas que renasceram na decada de 1920 Totem e tabu, de Freud, o manifesto Cannibale, de Francis Picábia, lançado em 1920, e o livro L’Anthropophagie rituelle des Tupinambás, de Alfred Métraux, que inspiraram os modernistas de 1922, Tarsila, Oswald e Mario de Andrade, fizeram que nós conhecêssemos a cultura, idioma e hábitos dos povos Tupis com rigor científico em estado de arte.
Banquetes que demandavam por refinada etiqueta, como as européias e éticas de guerra, com rituais semelhantes aos dos Samurais japoneses
O Brasil daquela época era ocupado por tribos irmãs e beligerantes, a guerra era uma atividade constante, Potiguares eram inimigos de Tabajaras, que por sua vez eram inimigos de Caetés, rivais dos Tupinambás, os quais, guerreavam constantemente contra os Tupiniquins. Essas guerras eram regidas por códigos atentamente observados e seguidos a risca por todos esses ‘primos’, falantes de variações do mesmo idioma, o Tupi Antigo.
O ato da guerra era sagrado e tinha como o momento culminante do embate, o apogeu ritualístico definitivo e verdadeira consagração da vitoria, a Antropofagia. Os ARAPURUS (comedores de gente) tinham rituais muito bem coreografados e a dinâmica do ritual canibalístico era muito elaborada, existem relatos de outros atos canibilísticos ao redor do mundo, mas foi aqui, nos litorais brasileiros que essa pratica teve a sua aplicação mais requintada.
1 – A guerra
Enquanto os portugueses estavam preocupados com a exploração dos recursos da nova colônia, os povos indígenas estavam totalmente dedicados aos atos de guerra intertribais. No ano de 1565 os portugueses resolveram tomar uma posição mais forte e uma batalha foi travada entre portugueses, aliados ao Tupiniquins contra os franceses, aliados dos Tupinambás. Poucos anos mais tarde a maior parte dos franceses foi expulsa da região da Gauanbara, que tinha Villegagnon, um cavaleiro católico de Malta como líder, junto aos Tupinambás da resistência. Essa derrota só foi possível com a ajuda dos Tamoios, sob a liderança de Aimberê, dando origem assim ao Rio de Janeiro.
2-O Prisioneiro de Guerra
No exato momento em que o inimigo era capturado, o guerreiro responsável pela captura virava seu dono, e passava a ter responsabilidade direta sobre seu cativo até o final de todo o processo, que culminaria com com sua canibalização. Os prisioneiros eram amarrados pelos pés e mãos, o que impossibilitava sua caminhada, para se locomoverem, eles tinham que dar ‘pulinhos’, situação que se ridicularizava bastante o capturado.
Aos pulos os prisioneiros eram conduzidos até a aldeia dos vencedores, ao passar pela entrada principal, eram recebidos com animosidade e ainda mais humilhação, os residentes jogavam restos de comida e pedriscos e se dava o seguinte dialogo:
O captor dava a ordem ao prisioneiro: -“Enhe'eng tembi'u” (Fale, comida); O prisioneiro então respondia: “Aîur-ne pe rembi'urama” (Estou chegando eu, sua comida);
As pessoas da tribo, jogando pedriscos e restos de comida no prisioneiro completavam: “Opererek îandé rembi'u oîkóbo” (Aí vem chegando nossa comida).
Nos próximos dias, o prisioneiro recebia o tratamento equivalente ao de um primo distante, era hospedado na oca do captor, era bem alimentado, a zombaria cessava 'em parte' e o anfitrião oferecia, alimento, rede e até mesmo sua filha ou sua esposa para que este se satisfizesse sexualmente. Nos primeiros dias, ele recebia também uma longa corda com nós para ser usada ao redor do corpo e pescoço, chamada de MUÇURANA. A Muçurana tinha uma quantidade de nós que representava o numero de ciclos lunares até sua execução. O prisioneiro jamais tentava fugir, pois isso seria a maior vergonha para ele e sua tribo. Na bizarra hipótese da fuga do prisioneiro, as pessoas de sua própria tribo não o aceitariam de volta e o conduziam vergonhosamente a aldeia dos captores para seu destino que já estava determinado pelo condigo de conduta da tradição oral mais antigo que se conhecia.
Os Tupis, tal qual os samurais prezavam a morte digna, o tumulo mais honroso para um guerreiro era o estomago de seu inimigo - Ter suas entranhas devoradas por vermes e insetos era repugnante e desprezível.
3- O Banquete
No dia anterior ao banquete, todos bebiam o Cauim, bebida fermentada de mandioca produzida exclusivamente pelas mulheres pelo processo de mastigação e cusparada (a amilase salivar transformava amido em açúcar, que por sua vez era fermentado por leveduras exógenas, criando assim uma bebida de graduação alcoólica não superior a 8,5%), e tinha inicio uma grande festa.
Na manhã seguinte, o prisioneiro tomava um banho e depois era ornado com penas, casacas de ovos, e outros adereços, eram também feitas pinturas vermelhas de urucum e pretas de jenipapo. Uma pantomima sempre acontecia nesses rituais - permitia-se que o prisioneiro fugisse até a entrada da aldeia quando era recapturado, numa encenação ritualística, e voltava amarrado com a Muçurana pela cintura, trazido por dois guerreiros, um de cada lado da corda e trazido para frente do executor enquanto a tribo toda gritava e se alvoroçava, aumentando assim o clima da festividade ao seu êxtase.
O Executor que também havia se banhado e submetido a uma pajelança com ervas e unguentos, após a longa cauinagem da madrugada, trajava-se de forma ritualística, com plumas pinturas e um maravilhoso MANTO GUARÁ vermelho feito com pele de lobo-guará, ornado com plumas de arara e tucano. Um dos momentos mais acalorados da festa era quando o executor se colocava na frente do prisioneiro, o absoluto silencio se fazia e acontecia outro dialogo:
O executor perguntava: -“Ere-îuká-pe oré anama, oré iru abé?” (mataste nossos companheiros e nossos parentes?)
O prisioneiro então relatava seus feitos heróicos: - “Pá, Xe r-atã, a-iuká, opabe a-‘u. Xe anama xe r-eõ-nama resé xe r-epyk-y-ne. Xe anama e’i-katu pe îukabo” (Sim, eu sou forte, matei-os e comi-os todos, minha família, por minha morte vingar-me-á, minha família irá matar vos).
Após o dialogo, o executor empunhava uma pesada arma, assemelhada a uma enorme maça, com um peso na ponta, ornada com plumas, que previamente fora preparada com orações e libações, chamada ‘IBIRAPEMA’, a manejava com destreza em movimentos marciais coreografados, encaminhava-se para traz do prisioneiro e acertava a base do crânio com muita força.
A morte era rápida, o crânio era despedaçado em sua base.
As mulheres mais velhas rapidamente colocavam um embolo em seu anus para evitar que os fluidos saíssem, recolhiam seus miolos e demais fragmentos espalhados pelo chão e tentavam recolher a maior parte possível de sangue. O corpo permanecia de pé, amparado pelas Muçuranas, fazendo com que seu sangue não fosse espalhado pelo chão, havia uma propósito muito nobre para todo esse sangue.
Os ABAPURUS banqueteavam por 4 horas, o ritual canibal acabava e os habitantes da tribo se recolhiam nos seus aposentos para dormirem |
O sangue colocado em vasos de barro cozido e era bebido ainda quente por todos, as mulheres passavam em seus seios e davam o peito aos bebês, seu corpo era colocado com muito respeito dentro de um caldeirão já com água fervente, para facilitar a retirada da pele, ai então o corpo era desmembrado, cortado pelo dorso e levado para a defumação (moqueágem). Após alguns minutos o corpo era virado, abria-se o ventre e os miúdos eram misturados a farinha e o mingau era dado para as crianças, só os grandes guerreiros podiam comer um mingau preparado com a pele ao redor do crânio, e os órgãos sexuais eram devorados pelas mulheres. A língua e os miolos eram comidos por pré-adolescentes de 12 a 16 anos de idade.
Logo apos a execução, o executor era arranhado pelo líder tribal com dente de onça, de forma que a escarificação já cicatrizada servia-lhe como honraria – Quanto mais escarificado, melhor guerreiro era. Todo esse ritual era acompanhado de musica de flauta feita com os ossos dos prisioneiros abatidos anteriormente.
Ao final de 4 horas, o ritual acabava e os habitantes da tribo se recolhiam aos aposentos para dormir, a final de contas, ficaram acordados a noite toda para o grande evento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário