O Tupi Pop

A corrente artística de Luiz Pagano - Tupi Pop - busca ir além das aparências superficiais e trazer à tona a essência de nossa diversidade cultural e étnica, já levou às ruas de Curitiba o evento Capivara Parade, mostrando a importância das boas relações entre os centros urbanos e a natureza, e gerando recursos para a campanha do agasalho local; o Projeto Tembiu trouxe mais de 120 insumos da floresta Amazônica para a comunidade de Coquetelaria no ano de 2014, ao Lado dos Chefes Tiago e Felipe Castanho; e por meio do Dia do Anhangá, trás agora a ambiciosa proposta de integrar todas as etnias e culturas pertencentes ao vasto território brasileiro. “A data de 17 de julho foi muito bem escolhida não só pela associação com a proteção da natureza, más também com a proximidade da data de um outro evento de amor e paz ente europeus e brasileiros – 30 de julho 1524 data do casamento de Diogo Álvares Correa Caramuru e Paraguaçu na lendária Catedral de de Saint Malo. Eu, brasileiro da Aldeia do Inhapuambuçu, que ainda moro próximo ao triangulo histórico, neto de Zuzu Correa de Moraes que nasceu no casarão da Rua da Gloria N.º4, onde hoje fica o respiro do metrô Liberdade, no coração do Inhapuambuçú, propnho um suspiro de liberdade, amor e união. É imprescindível ressaltar que a união e aproximação das diferenças não significa ignorar ou minimizar o sofrimento vivido pelos povos indígenas diante do colonizador, que cometeu crimes como genocídio, tortura e obliteração da cultura originária por meio da catequese, entre vários outros crimes indizíveis. A idéia aqui é o início de um diálogo respeitoso e inclusivo, em que suas vozes sejam ouvidas e suas demandas atendidas. Ao organizar seu evento indígena em São Paulo, o que mais levei em consideração foi a importância de criar um espaço seguro e acolhedor para que os povos indígenas possam compartilhar suas histórias, expressar suas culturas e se fortalecerem enquanto comunidades. Somente através do reconhecimento de suas lutas passadas e presentes, poderemos construir uma sociedade mais justa e equitativa para todos. Foi no triásico que o Inhapuambuçú fez unir das vertentes os rios Tamanduateí e Anhangabaú, foi a quase 500 anos o Inhapuambuçú fez unir João Ramalho e Potyra e será aqui, no Inhapaumbuçú que os povos brasileiros aprenderão a se respeitar e a viver em paz e harmonia. Devo dizer ainda que me orgulho do sobrenome Correa de minha família, a mera possibilidade de ser descendente de Caramuru e Paraguaçu me enchem de orgulho”. Luiz Pagano – Outubro de 2019

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Conversação em Tupi Antigo - Aula 1

Uma das boas forma de aprender um idioma é a pratica diária, más infelizmente, salvo raras exceções, não temos esse tipo de oportunidade - nesse sentido, criamos essa historinha em quadrinhos com textos em o Tupi Antigo.

SUMIETAMA

SUMIETAMA é uma civilização muito mais avançada que a nossa, formada por centenas de nações indígenas, é um universo escondido dentro do grande Brasil, fundada milênios antes da chegada dos colonizadores portugueses pelo lendário Sumié.

Assista ao video 


Em SUMIETAMA todo conhecimento ancestral e das tecnologias do mundo atual se misturam, a população vive em perfeita harmonia com a natureza, recicla 100% dos seu lixo, não polui águas nem o ar, e usam o Tupi-Antigo como idioma comum para os mais de 300 povos ancestrais brasileiros.

Acompanhe as aventuras da família Ybyrapytanga em SUMIETAMA enquanto aprende o básico de conversação em Tupi-Antigo.



Aula de conversação I – a chegada de Rembémumbu - Texto em Tupi por Romildo Araújo (clique aqui para conhecer mais o trabalho do Professor Romildo em Tupi Antigo)

Transcrição e Tradução

1-Pindobuçu – Type chegou, e ele vem acompanhado de uma amigo.
Té! Type our umã! A’e our tapixara irunamo. 

2-Potyra – Abra a porta para ele, meu filho.
Xe membyr îu! Esokendabok îandé roka t’our a’e.

3-Pindobuçu – vieste de Reritiba, meu primo?
Ereîúrype Rerityba suí, xe rybyra gûé?

4-Type – Sim eu vim. Deixe eu apresentá-lo, este é meu amigo Rembémumbú.
Pá! Aîur, xe ryky’yra.  T’arokûab, ikó xe raûsupara Rembemumbú.

5-[Olá!] Muito prazer, meu nome é Rembemumbú, sou da etnia Aimoré.
Eîkobé! Xe roryb nde kuapa, Xe rera Rembémumbu, xé anama é Aimoré.

6-Pindobuçu - Logo deduzi pelo botoque em seus lábios - entre por favor.
Aîkugûab aûnhenhẽ nde tembé botoque repîaka. - T’ereîké, xe irũ

Na cozinha (Tembi’u moîypá’pe)

7-Potyra  – Sejam bem vindos em nossa casa.
Ta peîkókatu oré róka pupé!

8-Type – Estou feliz por estar aqui. A senhora está preparando maniçoba?
Xe roryb iké gûitekóbo! Endé tembi’u manisoba ereîapó eîkóbo serã?

9-Potyra – Sim, e esta noite eu te convido para jantar.
Eẽ, kó Pytũneme, ixé oroso’o t’îakaru ne .  

10- Type – Me desculpe, essa noite eu não posso, tenho um compromisso na casa de amigos Potiguaras.
Nde nhyrõ xébe. Kó pytũneme nda’ekatuî. Aîkó temone xe rapixara Potiguara roka pupé.

11-Pindobusu – que pena, a maniçoba de minha mãe é a melhor de Piratininga
Erĩ, Tembi’u manisoba xe sy rembiapó sékatueté Pirarininga suíxûara suí.

12-Type – o cheiro está muito bom!!
Syapûangatu nhẽ!

Pindobuçú – não tem problema, da próxima vez que vier aqui prepararemos de novo a maniçoba para comermos.
I marane’ym! Nde rúsagûãme abé, t’îaîapó abé Manisoba t’îa’u ne.

——

...GOSTOU? ...não perca tempo, assista a segunda aula clicando aqui

Vocabulário

EikobéOlá
EmbéBeiço, lábio
Embi'uComida, bebida
Gûitekóbo Correspondente ao nosso “estar”, no gerúndio
irunamoAcompanhado de
Ka'uBeber Cauim
Maranestar aflito, enfermo, ter problema
MenbyraFilho
Nhyrõ(xe) Perdoar, ser pacífico
Sim
PytũnaNoite
RybyraPrimo
Tapixara, rapixaraAmigo, semelhante, o próximo


Conjugação do verbo Karú - Comer 
(o hífen no morfema a frente do verbo foi colocado por questões didáticas, não há necessidade de uso na escrita) 


ixé a-karúEu como
endé ere-karúTu comes
a'e o-karúEle/ela come
oré oró-karúNós comemos (exclusivo)
îandé îa-karúNós comemos (inclusivo)
peẽ pe-karúVós comestes
a'e o-karúEles/elas comem
Notas dos Professores

Como Sumetama é uma civilização inventada a partir da estrapolação do que teria sido a evolução de aldeias Tupiniquins, Tupinambás, etc., resolvemos adotar e criar alguns conceitos não existentes nas época antigas, mas completamente baseado e orientado para o perfeito uso do Tupi Antigo, evitando ao máximo o uso neologismos. As palavras inventadas serão devidamente informadas no decorrer das aulas.


a - Na linha 2 
Potyra diz “Abra a porta para ele, meu filho” nos ilustrando essa dificuldade, posto que, não existiam portas nas casas nas aldeias pre-colonialistas.

O professor Romildo usou “Xe membyr îu! Esokendabok îandé roka t’our a’e” – onde Oka (r-, s-) significa casa e porta é escrita como Okena (r-, s-).

Em textos bíblicos traduzidos para o Tupi Antigo vemos a seguinte passagem “que disse a mulher que guardava a porta de São Pedro?” – traduzido da seguinte forma “Marã e’ipe kunhã okena rerekoara São Pedro supé? (A.r., Cat 55v)

Okendab – (s) (v, tr) – fechar (porta, janela, carta), encerrar (pessoa, etc.:):

Osokendab a’e karamemûã itagâsu pupé.
Fecharam aquele tumulo com uma pedra grande. (A.r., Cat 64v);

Itá karamemûã pupé i nongi, sokendapa.
Dentro de uma sepultura de pedra puseram-no, fechando-a (Benttendorff, Compêndio, 50);

E por fim Okendaba (Okendapaba) é o nome dado ao instrumento de madeira usado para fechar protas, prendendo-a ao batente.

Com isso temos:

Okendabok – entrada (de casa, de casa, de caixa, etc); porta, janela (VLB, I, 18);

Okendabok (s) (etim.  – arrancar o tampo) (v. Tr.) – abrir (p. Ex., a porta, a janela, o tampo de):Esokendabok nde roka. – Abra a porta de tua casa (VBB. I, 18);

Dessa forma ainda podemos dizer:

Fechar a porta
Okenda-pab.

Ou

Fechar a porta
Okendab-a.

Abrir a porta
Okendab-‘ok.

A-sokendab xe roka
Fechei a porta da minha casa.

A saudação Lacrimosa

b- Na linha 3 

3-Pindobuçu diz “vieste de Reritiba, meu primo?”
Ereîúrype Rerityba suí, xe rybyra gûé?

Um dos aspectos mais interessantes dos indigenas de fala Tupi do Brasil quinhentista é a maneira pela qual recebiam seus hospedes e forasteiros. Conforme relata o Padre Fernão Cardim:

“Entrando-lhe algum hóspede pela casa, a honra e agasalho que lhe  fazem é chorarem-no. Entretanto, pois, logo o hóspede na casa, o assentam na rede e, depois  de assentado, sem lhe falarem, a mulher e filhas e mais amigas se assentam ao redor, com os cabelos baixos, tocando com a mão na mesma pessoa, e começam a chorar todas em altas vozes, com grande, com grande abundância de lágrimas e ali contam em prosas trovadas quantas coisas tem acontecido desde que se não viram até aquela hora e outras muitas que imaginam e trabalhos que o hóspede padeceu pelo caminho e tudo o mais que pode provocar a lástima e o choro. O hóspede, nesse tempo, não fala palavra, mas depois de chorarem por bom espaço de tempo, limpam as lágrimas e ficam tão quietas, modestas, serenas e alegres que parece (que) nunca choraram e logo saúdam e dão o seu Ereîupe , e lhe  trazem de comer etc., e depois dessas cerimônias contam os hóspedes ao que vêm. Também os homens choram uns aos outros, mas é em casos alguns graves, como mortes, desastres de guerra, etc. Tem por grande honra agasalharem a todos e darem-lho todo o necessário para sua sustentação e algumas peças como arcos, flechas, pássaros, penas e outras coisas, conforme a sua pobreza, sem algum gênero de estipêndio”.
Tratados da Terra e da Gente do Brasil, p. 108
Saudação Lacrimosa - Arte Tupi-Pop por Luiz Pagano

Obviamente que em Sumietama, uma civilização mais avançada, esse ritual antigo já não é mais performado, no entanto, opta-se por adotar o cumprimento tradicional, que se repete por gerações:

O anfitrião diz:

-Ere îurype?
-Você veio?

E o viajante responde:

-Pa, a îur.
-Sim, eu vim.

Essa pergunta e resposta se repete por três a quatro vezes enquanto memorizam bons momentos de suas relações em comum, até que seus olhos se encham de lagrima.

Ai final usa-se gûé, com o significado de ‘meu querido’ e atualmente pode até ser entendido pelas novas gerações como ‘meu brother’.

Mamõ-pe ere-îkó, xe irũ gûé?
Onde mora você, meu querido companheiro?

Importante que se diga que para mulher usamos iú ou ió

Xe’ma enduar nde sy pupé, Potyr ió
Eu me lembro de sua mãe, querida Potyra

Cumprimentos

Bom dia!Tiá nde ko'ema!
Boa tarde!Tiá nde karuka!
Boa noite!Tiá nde pytúna!
Saúde, tin-tin, cheers!T'reikokatu!
Básicos da Conversação

Com licençande xe repiaki
Por favorio kuereke katuramo
Me desculpende nhyrõ xebé.
Obrigadoaikûguab
Sinto muitoA-î-moasy-katu
Passas bem?Ere-îkobé-pe?
Você está bem?Ere-îkó-katú-pe?
Eu estou bem.A-îkó-katu.
Muito bemAûîébeté
De nadaAîkuab [endé xe pytybõ] =eu reconheço (que tu me ajudou)

Básicos da despedida/outros


Durma bem!T'ere-ké-katu!
Tchau! virei aqui de novoNe'ĩ, a-îur ikó!
Tchau, vou embora!Ne'ĩ, a-só ikó!
Durmam bem!Ta pe-ké-katu!
Vamos nós!T'îa-só-ne!
Fico feliz por você!Xe r-oryb endé r-esé!
Parabéns! Agiste bem!Ere-îkó-katu-eté
Complementos


Verdade!Supindûara
Mentira!Mo'ema
Falso!A'uba
Obrigado!Aûîé, aûîébeté, aîkugûab.
De nada!Aûîé.
Seja Bem vindo!T'ereîukatu
TchauAnheté (até mais)

REFERÊNCIAS

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
N24d

Navarro, Eduardo de Almeida
Dicionário de tupi antigo : a língua indígena clássica do Brasil / Eduardo de Almeida Navarro ; prefácio Ariano Suassuna; [ilustrações Célio Cardoso]. - 1. ed. - São Paulo : Global, 2013. il.

Vocabulário português-tupi e dicionário tupi-português, Tupinismo no português do Brasil, Etimologia de topônimos e e antropônimos de origem tupi
ISBN 978-85-260-1933-1 1.

Língua tupi-guarani - Dicionários - Português. 2. Língua portuguesa - Dicionários - Tupi. I. Suassuna, Ariano, 1927- II. Título.
13-02933
CDD: 498.3829
CDU: 811.87(038)


quinta-feira, 16 de julho de 2020

Monumento às Bandeiras – o mais importante monumento de São Paulo é pouco conhecido pelos Paulistanos

Monumento às Bandeiras com 32 figuras, e não 37 como relatado em muitos outras referencias (inclusive a Wikipedia e o Site da Prefeitura de São Paulo

Certa vez perguntei a um amigo de infância quantas eram as figuras que empurravam e puxavam a canoa de monções no Monumentos às Bandeiras de Victor Brecheret, monumento bastante conhecido dos paulistanos em frente ao Parque do Ibirapuera. 

Contar exatamente quantas estátuas existem no Monumento às Bandeiras, que inicialmente tem 30 personagens, é uma tarefa controversa - pois se contarmos os cavalos, são 32, e se contarmos os animais caçados (animais mortos nos ombros de alguns personagens), chegamos a um terceiro número. Um levantamento aéreo nos permite esclarecer essas dúvidas.

Ele então pesquisou na enciclopédia de sua mãe (na época não existia o Google) e a resposta foi 37 figuras.

Primeiros personágens do pelotão de frente, repare que existe uma europeu carregando caças nos ombros.

Achei muito estranho pois tenho uma boa noção de conjuntos e o numero me pareceu um pouco alto. Para tirar a duvida fomos até o local e contamos um a um.

Para minha surpresa a enciclopédia estava errada (assim como diversos artigos que vejo na internet, inclusive no artigo da Wikipédia) e eu estava certo. Eram 30 entre homens mulheres e crianças e mais dois cavalos, totalizando 32 figuras.

Pelotão da frente, lado esquerdo - observe que alguns deles abraçam os membros ao seu lado, colocando a mão em seus ombros, em sinal de camaradagem, enquanto um deles parece estar olhando diretamente para o sol escaldante, talvez em uma postura de clamar a Deus.

Nos perguntamos: -“como a enciclopédia podia estar errada num assunto tão importante para o paulistano?”.

A resposta pode estar no Memorial Descritivo do projeto para o Monumento às Bandeiras publicado no Jornal Correio Paulistano no dia 28 de julho de 1920.

Monumento às Bandeiras - No primeiro bloco vem os cavaleiros, no segundo as etnias brasileiras 

“O grupo monumental que é a coluna dorsal do monumento, foi movido de maneira a sugerir uma ‘entrada’. 


A grande massa processional , guiada pelos ‘Gênios’ – os Paes Lemes, os Antonio Pires, os Borba Gatos – avança para o sertão desconhecido. Os Guiadores, a cavalo – símbolo da força e do comando -, são seres titânicos, dignas expressões viris dos sertanistas de São Paulo.

Monumento às Bandeiras - Nesta seqüência um homem da de beber ao índio e uma mulher carrega um bebe no colo

No centro, uma Vitória espalma as asas que cobrem piedosamente os ‘Sacrificados’, isto é, aqueles sertanistas que tombaram nas ciladas da selva. (..) 

Muitas vezes, quando vemos uma escultura, não captamos as cores ou o panorama de uma cena. Esta pintura a óleo retrata o possível clima de alguns dos personagens do Monumento aos Bandidos como o pico do Jaraguá ao fundo.

Saindo da terra pisada pelos bandeirantes, serpeiam em grupos laterais as ‘Insidias’. São de um lado, as ‘Insidias da Ilusão’, mulheres enigmáticas e serpentes, belas como tudo que promete a mente, a simbolizar as Esmeraldas de Paes leme, as Minas de Prata de Roberto Dias, o mundo lendário das Amazonas de Orellana. (...) Do outro lado, as ‘Insidias do Sertão’ exprimem as Lesirias e as Febres, as Emboscadas e as Feras, a Fome e a Morte. 

Na parte posterior, a Ânfora que conterá a água do Rio Tietê, sagrado pela gloria das ‘monçoes’. Sugeriu-nos essa idéia a conferencia do Sr. Affonso de Taunay”.

A figura de numero 13 é o unico que puxa a embarcação - Uma lenda popular diz que o monumento do 'Deixa que eu empurro' ou 'empurra-empurra' nunca sai do lugar posto que as cordas estão frouxas, logo ninguém está fazendo força.

Reparem que neste memorial escrito pelo próprio escultor ele menciona ‘Vitorias Aladas’, e também acho que alguém deveria carregar a ânfora, estas não estão presentes no nosso atual monumento.

As figuras escondidas de numero 29 e 30 ( a de numero 29 é o auto-retrato de Victor Brecheret)

Considerada a maior escultura equestre do mundo com seus 50 m de comprimento, 16 m de largura e 10 m de altura, teve seu projeto inicial em 1920, encomendada para a celebração do bicentenário da independência, em 1922.

A grande massa processional , guiada pelos ‘Gênios’ – os Paes Lemes, 
os Antonio Pires, os Borba Gatos – avança para o sertão desconhecido.

O então Presidente do Estado, cargo que equivale hoje ao de governador, manifestou o desejo de realizar um monumento aos bandeirantes. A comissão encarregada de executar o monumento, a ser custeado pela administração pública, foi composta por Monteiro Lobato, Menotti Del Picchia e Oswald de Andrade, que escolheram o projeto de Brecheret.

Ainda em julho de 1920, o projeto foi apresentado publicamente na Casa Byington, e agradou muito a Washington Luís.

A colônia portuguesa, nesse meio tempo, queria oferecer um monumento à cidade, também com o tema de bandeirantes, eles apresentaram uma proposta do escultor português Teixeira Lopes.

Menotti Del Picchia detestou a idéia de ter essa obra feita por estrangeiros “...o monumento brasileiro deve ser integralmente brasileiro”, repudiava a idéia de “a alma e a técnica estranhas se fixarem no bronze que imortalizaria as glórias de nossa raça”. Em função do conflito o Presidente do Estado decidiu adiar o projeto e a maquete de Brecheret foi parar na Pinacoteca do Estado.

Maquete original do Monumento às Bandeiras de Brecheret com 37 figuras (1920), inclusive as 'Vitorias aladas' - Muita alteração foi feita até sua inauguração em 1953 com apenas 32 figuras.

A retomada da escultura só ocorreu próximo às comemorações do IV Centenário da Cidade. Primeiramente, Brecheret fez a obra na escala de 1x1 m, aumentando-a depois para o tamanho atual. Foi feita uma primeira escultura em gesso em tamanho natural, a partir da qual todas as figuras foram novamente esculpidas, desta vez em pedra Mauá – as pedras eram trazidas da cidade paulista de mesmo nome – por artesãos denominados “canteiros”, que copiavam fielmente o modelo em gesso feito por Brecheret.

Brecheret e Almeida Júnior

Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, e a pintura "Partida da Monção", de Almeida Júnior, retratam o mesmo mito paulista: a marcha dos bandeirantes rumo ao interior do Brasil. Mas fazem isso por caminhos muito diferentes.

"Partida da Monção" é uma obra do artista brasileiro José Ferraz de Almeida Júnior, pintada em 1897, a óleo sobre tela. A obra retrata os momentos finais antes da partida de uma expedição fluvial, à luz do dia. Homens seguram lemes e zingas (varas que alcançam o fundo do rio para auxiliar a navegação). Ao fundo, vemos um baletão, embarcação esculpida em um único tronco, que passava dos 40m, com uma pequena tenda para proteger os viajantes e a carga do sol.

A obra de Almeida Júnior (1897) mostra uma cena quase serena: a preparação para uma viagem fluvial. Há calma, luz quente e certa nostalgia. Tudo é detalhado, humano e quase idealizado. Os bandeirantes aparecem como desbravadores em tom épico, mas íntimo.

Já o Monumento às Bandeiras (iniciado em 1920), com seus corpos em bloco de granito e expressões duras, é brutal e grandioso. É o mito da conquista contado como esforço coletivo, mas também como imposição de força. A presença de negros e indígenas como figuras secundárias revela, com ou sem intenção, a violência embutida nessa história.

É possível que Brecheret tenha visto ou conhecido a obra de Almeida Júnior — ambos falam da mesma origem mítica de São Paulo.

Toucas, gualteiras e chapéus

Na escultura de Brecheret, os bandeirantes não usam os típicos chapéus de abas largas, mas toucas justas que lembram gorros medievais europeus, ou bem podiam ser algum tipo de gualteiras, uma espécie de touca alta feita de couro de anta - Essa escolha não parece um erro, mas uma decisão estética e simbólica.

Bandeirante paulista com gualteira de couro de anta, gibão de armas também de couro de anta, espada, arcabuz e forquilha

Além disso, esculpir a aba de um chapéu na pedra 'mauá' apresenta desafios técnicos — a forma fina e projetada poderia se quebrar com facilidade. A touca, por outro lado, se ajusta melhor ao bloco maciço e à estética monumental da obra.

Brecheret, formado na tradição europeia, aproxima os bandeirantes de figuras heroicas e atemporais. São menos homens reais do passado e mais figuras-mito da formação de São Paulo, talhados como se fossem personagens de uma epopeia esculpida em pedra. Enquanto Almeida Júnior pinta o detalhe e o cotidiano, Brecheret modela o símbolo.

Origem das pedras 

O granito Mauá, usado na construção do Monumento às Bandeiras, provém de afloramentos localizados na região de Mauá, no estado de São Paulo. Trata-se de uma rocha granítica clara, de grão médio a fino, com excelente resistência mecânica e boa trabalhabilidade — ideal para esculturas monumentais.

Os blocos foram extraídos diretamente de pedreiras dessa região, ainda nos anos 1920, com técnicas manuais e rudimentares. Por ser abundante e próximo da capital, o granito Mauá foi uma escolha estratégica tanto pela durabilidade quanto pela logística de transporte.

Artesãos da Oficina Incerpi

A execução da monumental obra em pedra ficou a cargo da Oficina Incerpi, dirigida por imigrantes italianos especializados em cantaria e escultura em granito. Esses artesãos trabalharam durante décadas sob orientação de Victor Brecheret, que fornecia maquetes e moldes em gesso, posteriormente ampliados e talhados diretamente nos blocos de granito.

Artesão da Oficina de Cantaria A. Incerpi e Cia.

A Oficina Incerpi foi essencial para dar vida à estética modernista de Brecheret, unindo mão de obra especializada, tradição italiana em escultura em pedra e precisão artesanal. Sem eles, o impacto visual e técnico do monumento simplesmente não seria possível.

A Construção do Monumento

O monumento foi feito em três partes: os batedores a cavalo à frente do grupo, o grupo humano ao centro e a barca ao final.

O projeto inicial teve diversas alterações e em1949, Brecheret resolveu alterar a base do monumento. Em vez de escadarias, optou por uma base mais simples, com as laterais em plano inclinado, quase vertical. Em 1951, a Oficina Incerpi começou a montar os blocos de granito, já esculpidos, no Ibirapuera, como num grande quebra-cabeças, sendo que o efeito final deveria dar a impressão de um único bloco de rocha, como previa Brecheret. O concreto foi usado no enchimento da canoa, para dar mais rigidez ao conjunto.

o ‘Sacrificado’ figura de numero 23,  é o sertanista que tombou nas ciladas da selva.

O único personagem histórico identificado é o próprio Victor Brecheret. A quarta figura à direita do monumento, no bloco imediatamente seguinte ao dos cavaleiros, traz a seguinte inscrição no seu ombro direito: “Auto-retrato do escultor Victor Brecheret 02-10-1937”.

Personagens Ocultos - Na sequência atrás do primeiro pelotão, um personagem aparece sendo carregado, exemplificando uma ocorrência muito comum nas monções, que eram febres e doenças parasitárias. Um detalhe interessante é que o de número 22 só aparece neste ângulo.

Previsto para ser inaugurado em 25 de janeiro de 1954, foi entregue um ano antes. Brecheret estava doente e pediu ao governador Lucas Nogueira Garcez, apressasse a entrega para o dia 25 de janeiro de 1953.

Temendo que as outras 7 figuras estivessem escondidas, procuramos muito e só achamos um escondido (numero 22) rapaz que carrega o desmaiado.    

Símbolo da cidade de São Paulo, a obra-prima de Brecheret é praticamente uma síntese de sua trajetória artística. Demorou 33 anos para ser construída e revelou influência de seus estudos anatômicos, que valorizam o corpo humano, no estilo art decó combinado com o luxo do estilo marajoara-indígena.

As “bandeiras”, tiveram grande importância para a colonização do Estado de São Paulo e do interior do Brasil nos séculos XVI, XVII e XVIII.

Cada uma das figuras tem cerca de 5 m de altura e retrata mistura étnica brasileira, com a presença de bandeirantes brancos, índios e negros escravos, e mamelucos.

Se o numero 13 é o único que puxa, o numero 28 é o único que empurra.

Os cavaleiros da escultura estão direcionados para o Pico do Jaraguá, rumo ao interior do Estado dos bandeirantes, sempre à procura de pedras preciosas, mais precisamente esmeraldas. Abaixo deles, na base de pedra da obra há um mapa, em que são mostrados os caminhos dos bandeirantes por todo o Brasil. Ele foi elaborado pelo historiador Afonso d’Escragnolle Taunay (1876-1958), autor de História geral das bandeiras paulistas (1924/50), grandioso levantamento de fatos que auxiliam na compreensão da história do Estado de São Paulo.

Nas laterais do monumento, há inscrições enaltecendo a obra. O poeta, ensaísta e crítico literário Guilherme de Almeida (1890-1969), chamado de “príncipe dos poetas brasileiros”, declarou: “Brandiram achas e empurraram quilhas, vergando a vertical de Tordesilhas”.

Achas são armas antigas semelhantes a um machado - uma delas é vista na mão de uma das figuras. Empurraram quilhas de embarcações para alcançar pontos cada vez mais longínquos, ultrapassando a barreira imposta pelo Tratado de Tordesilhas firmado entre Portugal e Espanha em 1494, que delimitava a posse das terras na América após a primeira viagem de Colombo.

Foi adicionado concreto para unir as estatuas feitas de pedra 'Maua'

Os bandeirantes, se embrenharam pela mata e chegaram a locais antes não pisados pelo homem branco, fundando cidades e ampliando as fronteiras brasileiras.

Posteriores negociações entre os rei luso D. João III e os monarcas espanhóis Fernando e Isabel deslocaram a linha inicial e asseguraram a expansão do Brasil para alem da demarcação.

A outra inscrição na lateral do monumento (“Glória aos heróis que trocaram o nosso destino na geografia do mundo livre./ Sem eles, o Brasil não seria grande como é”) é do historiador, ensaísta e poeta brasileiro Cassiano Ricardo (1895-1974). Modernista, filiado ao Movimento Verde-Amarelo, que, por volta de 1926, defendia um nacionalismo fechado às influências das vanguardas européias.

A frase exalta o papel dos bandeirantes na história do Estado e demonstra bem o espírito conservador do grupo, que contava com a participação de Menotti del Picchia, Cândido Mota Filho e Plínio Salgado, defendendo um ideário político de extrema direita, dando origem ao Grupo Anta e, posteriormente, no integralismo, vertente do nazifascismo no Brasil.

Quem são as 32 figuras do Monumento às Bandeiras?

Brecheret não nomeou individualmente cada um dos personagens esculpidos, com exceção de sua própria figura (número 29), porém podemos extrapolar quem se trata com base no Memorial Descritivo do Monumento às Bandeiras, publicado no jornal Correio Paulistano em 28 de julho de 1920, que já antecipava a força simbólica da obra, bem como no contexto histórico - aqui vai meu palpite:

“O grupo monumental que é a coluna dorsal do monumento, foi movido de maneira a sugerir uma ‘entrada’. A grande massa processional, guiada pelos ‘Gênios’ – os Paes Lemes, os Antônio Pires, os Borba Gatos – avança para o sertão desconhecido.”

Partindo dessa ideia, propomos aqui uma recriação dos nomes e papéis das 32 figuras do Monumento, inspirada na história paulista e ressignificada com elementos atemporais. Como Victor Brecheret nunca nomeou oficialmente os personagens nem os situou em uma época específica – ele próprio disse que a obra tem uma autorreferência de 100 anos – assumimos a liberdade criativa de rebatizar esses personagens como figuras mitológicas-modernas, que também podem ser retratadas em forma de toys em vinil, cada um com uma história própria.

Os Guiadores (Montados a cavalo)

São os líderes da marcha, figuras colossais que encarnam o espírito de comando e avanço. Como deuses da travessia, suas montarias os elevam ao status de titãs da colonização e do confronto com o desconhecido.

01 – Antônio Pires de Campos
(São Paulo, c.1690 – c.1751)

Figura Número 01 no Monumento às Bandeiras - Antônio Pires de Campos. Porta uma cruz ao peito – símbolo das missões que liderou para catequizar os gentios, especialmente entre os povos Bororo e Cayapó – e um olhar firme voltado ao sertão.

Líder da coluna, montado em seu cavalo, usando um chapéu de couro de anta no estilo gualteira (capuz típico dos sertanistas). Porta uma cruz ao peito – símbolo de suas missões de salvação espiritual dos “gentios” – e um olhar firme voltado ao horizonte.

Figura central das entradas para o Mato Grosso, Antônio Pires de Campos casou-se com Sebastiana Leite da Silva, filha de Bartolomeu Bueno, e liderou diversas expedições no início do século XVIII. Junto ao pai, Manoel de Campos, e ao filho, Antônio, percorreu a região conhecida como Martírio, documentando com precisão as culturas indígenas – sobretudo os Cayapós e Bororos –, seus costumes, idiomas e rotas fluviais entre os rios Grande e Cuiabá.

Sua missão envolvia tanto o mapeamento territorial quanto a catequização forçada, representando a dualidade brutal do projeto colonial.

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A sequência de imagens numeradas de 08 a 11 compõe uma narrativa visual rica e profundamente simbólica, que remonta a uma cena familiar de mais de 500 anos atrás, no coração do território tupiniquim, onde hoje é o Brasil.

08 – Bartira M’Bicy (também conhecida como Isabel Dias) ( 1493 - 1559)

Ao lado, Bartira M’Bicy, sua esposa, está retratada com dignidade e doçura. Os traços indígenas, os cabelos longos, os colares feitos de sementes e os olhos profundos revelam força e ancestralidade. Ela segura delicadamente a pequena Antônia Quaresma, que representa a fusão de dois mundos — o europeu e o tupi. 

09 - Antonia Quaresma (falecida a 1613)

A criança, de traços mestiços, parece curiosa, observando os adultos em volta com a atenção típica de quem já pressente o papel que terá na continuidade da linhagem. Dona Antonia Quaresma Ramalho, filha de João Ramalho e Bartira M’Bicy que casou-se com Balthazar Dias Nunes Camacho, procedente de Viana do Castelo a 1490, tiveram varias filhas, entre elas, Paula Camacho (chamada de 'A Mameluca'). Antônia, foi minha avó de 15 gerações atrás, carrega em si o símbolo da mestiçagem fundadora.

10 – Pirijá, irmão de Bartira, com a vasilha de cauim

Pirijá completa a cena. De pé, com uma postura orgulhosa, segura uma grande vasilha de cauim com as duas mãos. Seu olhar transmite a gravidade cerimonial do momento. Ele não serve apenas a bebida — oferece a confiança do seu povo ao forasteiro que, agora, é parte da família. É uma entrega simbólica: de cultura, de hospitalidade, de continuidade.

Nesta pintura que reproduz a cena familiar de João Ramalho (usando uma toca, tal como concebido por Brecheret) tomando cauim oferecido por Pirijá com Bartira e Antonia Quaresma ainda bebê, o clima é de harmonia entre os povos, isentando a dominação colonizadora sobre os indígenas.



11 – João Ramalho tomando cauim (Vouzela, Reino de Portugal, 1493 — São Paulo dos Campos de Piratininga, Capitania de São Vicente, 1582)

João Ramalho aparece de pé, carregando uma onça morta, segurando um pote com cauim entre as mãos. Seu semblante é sereno e atento, talvez em reverência ao gesto ancestral que lhe foi confiado. Ele, o português que escolheu ficar, não apenas observa — participa do ritual com humildade, consciente de que aquele líquido fermentado de mandioca carrega mais do que sabor: carrega história, aliança e pertencimento.

Conjuntamente, essas imagens formam um retrato potente de um momento de convivência pacífica, de fusão cultural e de memória viva. Uma cena de afetos entrelaçados, onde o cauim é o elo que liga passado e presente, sangue e terra, estrangeiro e nativo — e onde tua própria origem encontra forma e sentido.

14 – Fernão Dias Paes Leme
(São Paulo, c.1608 – Sertão do Espírito Santo, 1681)

Figura Número 14 no Monumento às Bandeiras - Fernão Dias Pais Leme, imagem extrapolada da escultura original, olhando para frente

Outra figura montada, também usando um chapéu de couro de anta no estilo gualteira. O curioso desta escultura é que ele olha para trás – gesto que admite múltiplas leituras:

Imagem controversa do gênio montado olhando para trás (fig 14), talvez ele esteja apenas monitorando o grupo como um líder ou poderia ser uma espécie de atitude de remorso histórico apresentada por Brecheret.

Certificar-se de que a tropa avança unida;

Um eco de dúvida histórica, pesando-lhe a consciência pelas violências cometidas nas entradas e capturas de indígenas.

Arte Tupi Pop dos Gênios

Conhecido como o “Caçador de Esmeraldas”, Paes Leme liderou expedições de grande impacto. Em 1640, participou da ofensiva contra os holandeses no litoral, defendendo São Vicente. Atuou ainda na Câmara de São Paulo, foi responsável pela administração das obras do Mosteiro de São Bento, e exerceu funções como juiz ordinário em 1651.

Antônio Pires de Campos (fig.1), e seu cavalo 'Martírio' (fig.1a), ao lado de Fernão Dias Paes Leme (fig14), montado no 'Sumidouro' (fig.14a).

Podemos também nomear os cavalos

Fernão Dias Paes Leme cavalga o cavalo de nome 'Sumidouro', um alazão de pelos escuros e olhos silenciosos, batizado assim pelo destino trágico de seu mestre. O nome vem do lugar onde Fernão faleceu, tragado pela terra sem jamais encontrar as esmeraldas que buscou por anos — como se o próprio chão o tivesse engolido junto com seus sonhos verdes. Qaunto a Antônio Pires de Campos, ele cavalgava o cavalo chamado 'Martírio', um cavalo forte de pelagem clara, que o acompanhou nas trilhas mais áridas rumo ao coração do Brasil. O nome era uma lembrança viva das dores e da fé que marcavam suas jornadas – como naquela entrada lendária em que partiu com o pai e o filho, guiado por um ideal redentor que confundia sertão com sagrado.

2 – Anahnguera - Bartolomeu Bueno da Silva 
(Santana de Parnaíba, 1672 — Vila Boa de Goiás, 19 de setembro de 1740)

Anhanguera, o "gênio atroz velho" ao lado de sua maquina de controle mental "erekorekó", que interfere na razão de suas vítimas.

Anhanguera, o "gênio atroz velho" em tupi, era o nome de guerra de Bartolomeu Bueno da Silva, bandeirante que entrou pelos sertões de Goiás no início do século XVIII. Ficou lendário ao ameaçar os indígenas com a pantomima do fogo líquido — ele botou fogo na água ardente — dizendo que queimaria os rios se não revelassem onde havia ouro. O nome lhe foi dado pelos próprios nativos, que o viram como uma entidade sobrenatural, um emissário do além. Sua morte, por volta de 1724, marca o fim de uma era em que fé, ganância e teatro de poder se misturavam em cada passo das bandeiras.

Na arte Tupi Pop, ele aparece como um vilão cyberpunk, com trajes imponentes e assustadores. Nessa narrativa, ele comanda uma máquina psíquica que interfere na razão das pessoas — metáfora do álcool destilado (com mais de 100 proof, 50% de teor alcoólico), mais forte e alucinatório que o cauim ancestral (com cerca de 12%ABV). Assim, Anhanguera torna-se o antagonista perfeito: um símbolo do apagamento das consciências e controle da mente.

12 – Benguela (Kalunga N’Zambi) - (nascido próximo ao porto de Lobito, Angola)

Benguela (apelido carinhoso de Kalunga) sabia como colocar a cultura africana entre os colonizadores, não pela guerra, mas por meio da sabedoria e de seu intelecto raro - levou sua cultura africana ao mundo por meio da capoeira e da música de sua terra.

A lenda de Kalunga N’Zambi — filho de uma rainha e de um sacerdote, capturado nas matas da Chela. extremamente inteligente, ao chegar ao Brasil, recusou-se a decorar o mundo do branco. Aprendeu o português, mas sonhava em umbundu.

Kalunga não ergueu armas, sua resistência era inteligente e bela. Costurava coloridos e belos símbolos sagrados nas roupas da sinhá, escondia orações em cantos de trabalho, ensinou a capoeira como luta disfarçada como dança, espalhava os mitos dos seus ancestrais como quem semeia flores num campo devastado. Era muito forte, seguia o mandamento cristão "se alguém o forçar a caminhar com ele uma milha, vá com ele duas" -  mostrando que existem formas de resistências mais sábias e coloridas do que a revolta em sí. 

Benguela (fig.12) Forte, belo e muito inteligente

Fundou um culto secreto nas senzalas, onde o tambor falava com N’Zambi e a cultura africana renascia em festas disfarçadas. Com cada dança, cada bordado, cada história contada à luz da lamparina, Kalunga transformou cativeiro e o mundo em reencantamento.

20 – Jaguanharó (Jaguanharão) (nascido em local e data desconhecidos – São Paulo de Piratininga, 9 de julho de 1952)

Na imagem, a Jagoaranhó segura seu takape para defender as tradições tupis, como a cauinagem que tanto preza.

O Último Guerreiro da Tradição Tupi - Na história oficial, Jaguanharó foi um jovem guerreiro tupiniquim, filho do cacique Piquerobi e sobrinho do lendário Tibiriçá. Em 1562, liderou ao lado do pai o Cerco de Piratininga, um ataque armado contra os portugueses e seus aliados indígenas na recém-criada vila de São Paulo. O objetivo era claro: impedir a expansão da colonização e da catequese forçada dos jesuítas, que já haviam rompido os laços sagrados entre os tupis e sua espiritualidade ancestral.

Jaguanharó morreu nesse confronto pelas mãos de seu tio, tibiriçá (agora batisado como Martim Afonso). Mas a história real não conta tudo.

Na tradição Tupi Pop, passada de geração em geração nas sombras das matas e à beira dos rios, fala-se de um outro destino: Jaguanharó sobreviveu. Gravemente ferido, foi resgatado por mulheres da floresta e levado para além do Jaraguá, onde os brancos ainda não ousavam pisar. Lá, jurou manter viva a alma do povo Tupi.

Insignia da Seita Tupi Rerekoara

Foi nesse exílio espiritual que nasceu a Tupi Rerekoara, uma seita clandestina dedicada à preservação dos ritos ancestrais.

A seita reunia os últimos conhecedores das danças, da produção do cauim, das palavras rituais, dos cantos para o sol e para os peixes, e claro — da fermentação sagrada do cauim. Jaguanharão instituiu que o cauim não deveria mais ser apenas bebida de festa, mas símbolo de resistência, comunhão e memória viva.

Um rebelde contra o apagamento cultural

Jaguanharó entendia que os jesuítas não apenas queriam ensinar uma nova fé — eles queriam apagar a antiga. Recusou o céu europeu, recusou viver ajoelhado. Na lenda, ele dizia: “Prefiro morrer bebendo cauim, ouvindo o maracá e o tambor de minha terra, do que viver em silêncio português. Que minhas ultimas palavras sejam proferidas em Tupi”.

O legado

Hoje, alguns acreditam que os ensinamentos de Jaguanharão sobrevivem escondidos nas esquinas da cidade grande, nos rituais sincréticos, nos nomes de rios e montanhas, e nos olhos de quem ainda bebe cauim como quem ouve os deuses antigos. Jaguanharão não foi apenas um guerreiro — foi o primeiro fundador da resistência cultural indígena urbana. Um nome que não se encontra nos livros escolares, mas que pulsa na terra e na memória dos que ousam lembrar.

Monumento às Bandeiras - Rosto da Figura de número 25

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Glossário Tupi - Português para Produção de Cauim Contemporâneo

Este glossário foi criado para apoiar quem deseja compreender e praticar a produção tradicional de cauim a partir de uma perspectiva tupi, c...